„Podemos influenciar positivamente o destino de muitas pessoas“
Saúde, questões humanitárias e direitos humanos são os grandes temas na sede da ONU em Genebra. Aqui, o embaixador von Ungern-Sternberg fala sobre as tarefas da Alemanha.
Genebra é o centro operativo das Nações Unidas. O embaixador Michael von Ungern-Sternberg fala sobre a contribuição da Alemanha para as questões mais urgentes desta época.
Senhor embaixador von Ungern-Sternberg, na época da guerra Fria, Genebra era um centro de encontros de agentes e espiões e um palco de importantes diálogos de paz. Qual é o significado desta cidade hoje?
Descrever esta sede da ONU em Genebra é muito mais difícil do que delinear a de Nova York, onde a ONU possui claras estruturas, com a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança e o secretariado. Em Genebra, ao contrário, a ONU tem um grande número de sedes de organizações internacionais, em parte com tarefas, mandatos e históricos muito diversos. E é também onde sempre acontecem muitas negociações de paz.
O senhor pensa, por exemplo, em quais organizações?
O número delas é grande, como, por exemplo, a Organização Mundial de Comércio (OMC), o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) o Conselho dos Direitos Humanos, a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI). Além disso ainda existem inúmeras organizações não-governamentais, como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Cerca de 100 organizações internacionais têm sua sede aqui.
Pode se reconhecer algum perfil, ou se trata simplesmente de um aglomerado ao acaso?
Falando-se muito em geral, Genebra é o centro de programas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, os ODS, e dos direitos humanos. Aqui, são tratados sobretudo os temas de saúde, de questões humanitárias e sociais, que cobrem uma grande parte dos ODS. Genebra é um centro operativo das Nações Unidas.
É então um centro independente da ONU?
Genebra é uma parte da grande família da ONU. Isto inclui também outras organizações que possuem grêmios totalmente independentes. São, por exemplo, a OIT, a OMS e a OMC. Isto significa que Genebra faz trabalho complementar ao de Nova York, onde, falando-se de maneira simples, as questões de paz e segurança estão em primeiro plano, ao passo que aqui são os citados temas humanitários e sociais e as questões comerciais.
Então, não é muito importante para o senhor que a Alemanha seja novamente membro não permanente do Conselho de Segurança desde o começo deste ano?
Isso não é bem certo. É claro que existe o trabalho imediato em Nova York, mas a Alemanha decidiu aproveitar essa oportunidade para tratar também de outros temas que antes talvez não teriam sido de costume no Conselho de Segurança, como os direitos humanos e a proteção do clima, dado que damos maior amplitude ao conceito de segurança. Nos países, nos quais os direitos humanos não são respeitados, é muito grande o perigo de que surjam crises. Existem claros contextos que queremos transportar com maior ênfase ao Conselho de Segurança. E dado que uma parte das relevantes organizações tem sua sede em Genebra, também temos de fazer frente a esse desafio. Queremos que Genebra e Nova York se aproximem mais.
Falando em direitos humanos, o Conselho dos Direitos Humanos vem sendo criticado como fraco ou até mesmo como uma atividade disfarçada. Como o senhor vê esse Conselho?
Não o vemos assim. Claro é que sempre se tem de lutar para conseguir a observação dos direitos humanos. Por isso adotamos esse tema na nossa agenda durante o período em que somos membros não permanentes do Conselho de Segurança. Mas considerar o Conselho dos Direitos Humanos obsoleto e ineficiente é, para mim, errado. Há alguns anos, ele passou por uma reforma importante, substituindo a antiga Comissão dos Direitos Humanos. Este fato fez com que o peso relativo do mundo ocidental diminuísse um tanto, o que foi, para alguns, motivo de crítica.
Um crítica que o senhor não compartilha?
Creio que em Genebra domina a opinião de que o Conselho dos Direitos Humanos conseguiu adquirir, desde então, uma credibilidade maior e também uma maior autoridade. Temos hoje mecanismos que não existiam naquela época e que agora contribuem para melhorar a situação dos direitos humanos no mundo todo.
Qual mecanismo, por exemplo?
Por exemplo, a Revisão Periódica Universal (RPU), chamada de Procedimento RPU. É um procedimento de verificação existente desde 2007, ao qual todo país tem de se submeter periodicamente. A Alemanha tem de passar por essa revisão, tanto como o Camboja, a Ruanda, a China, a Saudi-Arábia ou os EUA. Tivemos de fazê-la em 2009, 20013 e, pela última vez, em 2018. Se houver suspeita de infrações contra os direitos humanos, o controle é feito bem pormenorizado, por exemplo, no trato de migrantes, na igualdade dos sexos e em muitos outros setores. E na próxima revisão, o país em questão terá de relatar o que ele fez para corrigir isso.
Mesmo assim, os EUA saíram desse grêmio...
Sentimos muito. A Alemanha não partilha de maneira nenhuma o ceticismo com respeito a estruturas multilaterais. Com certeza, o trabalho do Conselho pode ainda ser melhorado, mas a sua forma atual mostra que ele fez um grande progresso em comparação com o que era antes. Interessante é que os Estados Unidos participaram na RPU, mesmo tendo abandonado o Conselho.
Mas os receios gerais do governo norte-americano frente às Nações Unidas ainda permanecem, como no caso do tratado sobre o clima ou do acordo com o Irã.
A esse respeito, temos uma outra opinião. Acreditamos que as organizações multilaterais são hoje mais necessárias que nunca. Naturalmente, elas têm de trabalhar eficientemente para conseguir credibilidade política. Mas sem elas, não podemos suplantar os grandes problemas da nossa era. Não podemos conseguir isso bilateralmente. Trabalhamos com os nossos parceiros de todos os continentes para fortalecer os foros multilaterais e encontrar respostas para as mais urgentes questões da nossa época.
Naquela época, a Sociedade das Nações em Genebra ruiu. É por isso que o senhor sente agora uma responsabilidade especial para que as Nações Unidas continuem existindo, dado que o multilateralismo está agora sob pressão?
Continuamos trabalhando normalmente, pois a Alemanha está convicta de que não existe alternativa para a cooperação internacional. Precisamos de ter paciência e temos de mostrar que as instituições da ONU são importantes e podem contribuir para os grandes objetivos, como a manutenção da paz e da segurança, o progresso econômico e a observação
dos direitos humanos.
Existem também atritos com os EUA quanto ao comércio mundial. A OMC tem sua sede em Genebra. Qual é o seu papel nessa discussão?
Um papel muito importante. Os EUA impuseram – a nosso ver, injustamente – taxas alfandegárias sobre o aço. Isso contradiz as regras e o espírito da OMC. Os diálogos para a solução desse conflito comercial acontecem a muitos níveis, também em Genebra, diretamente com a OMC ou à margem dela. A UE – e, com ela, a Alemanha, a sua maior economia – procura exercer uma influência branda sobre os EUA. Além disso, ela trabalha intensamente também com a China, dentro do contexto da OMC, para encontrar soluções, como, por exemplo, para um melhor controle de subvenções estatais ou contra a transferência forçada de tecnologias. Neste particular, temos uma questão em comum com os EUA.
Os EUA também criticam a OMC, duvidando da sua legitimidade.
Isso é correto. Os EUA criticam sobretudo o Órgão de Recurso da OMC nos processos de resolução de conflitos. Todo país-membro pode se dirigir a esse órgão, se for da opinião de que as regras do comércio internacional foram infringidas. As decisões desse órgão são praticamente vinculatórias. Os EUA acusam esse grêmio de ter adquirido competências nunca previstas. Por isso eles estão bloqueando a designação de juízes. Se isso não terminar logo, não haverá, em breve, mais nenhum juiz. A consequência será o colapso das instâncias de recurso. E os processos não poderão ser concluídos.
O que o senhor pode fazer contra isso?
Dentro do quadro da UE, elaboramos propostas e estamos negociando com os EUA sobre essas propostas. O fim do Órgão de Recurso seria um grande perigo para o comércio mundial livre e baseado em regras, pois muitos litígios já foram resolvidos lá.
Entre comércio mundial e crise de refugiados, entre direitos humanos e epidemias globais, qual é enfoque especial da Alemanha em Genebra?
Tentamos aqui dar uma contribuição construtiva para muitos setores, pois, como dizemos, consideramos importantes os fatores mais fracos de segurança que são tratados precisamente em Genebra. Considerando-se a situação atual do mundo, é claro que temos de trabalhar mais na prevenção. Neste meio tempo, somos o segundo maior doador bilateral no tocante à ajuda humanitária. Nós nos ocupamos intensamente com cada uma das 20 a 30 organizações aqui sediadas.
O senhor pode prever o que o vai ocupar muito nos próximos meses?
Nunca se sabe ao certo. A ONU é um espelho do mundo e este está muito agitado no momento. Mas, sem dúvida, as questões comerciais ainda nos vão ocupar, tanto como a situação no Iêmen, onde está acontecendo uma inconcebível crise humanitária. Por sorte, está havendo progressos nessa crise. Os progressos conseguidos nas negociações feitas em fins de 2018 na Suécia têm de se concretizar. Nós em Genebra e nós alemães somos apenas uma parte dos acontecimentos, mas queremos contribuir para que muitas pessoas possam ser salvas.
O que o estimula pessoalmente nesse posto em Genebra?
São as diversidades temáticas e as tarefas que sempre exigem muito de uma pessoa. Partindo de Genebra, podemos influenciar positiva e concretamente o destino de muitas pessoas, o que se reflete principalmente nos temas de saúde, refugiados ou ajuda humanitária nas regiões de conflito.
Entrevista: Friederike Bauer
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