O longo caminho ao “novo Nós alemão”
A Alemanha assumiu somente com atraso o seu papel de país de imigração, escreve Naika Foroutan. Hoje, a diversidade é óbvia.
Cerca de 437 000 imigrantes vieram em 2013 para a Alemanha, o maior número desde vinte anos. Atualmente vivem aqui 16 milhões de pessoas com o chamado “histórico de migração”, perfazendo 20 % da população na Alemanha. Cerca de nove milhões deles possuem a nacionalidade alemã.
Estes dados comprovam que a Alemanha é um país de imigração. Ela já o era antes, mas a política tinha negado esse fato até o começo da década de 2000, pois não levara em consideração que cerca de 14 milhões de pessoas tinham vindo para a Alemanha, para trabalhar aqui, antes que o recrutamento de pessoal estrangeiro fosse abolido em 1973. Apenas em 1999, numa declaração governamental da antiga coalizão entre o SPD e Os Verdes, falou-se pela primeira vez de um país de imigração.
Seguindo este caminho, a Alemanha passou por fases bem diferentes. Recrutamento, nova imigração e integração econômica das pessoas caracterizaram o período dos primeiros trabalhadores estrangeiros, que começou em 1955 com o Acordo de Recrutamento entre a Alemanha e a Itália. Seguiram-se, até fins da década de 1960, outros acordos com a Espanha, a Grécia, a Turquia, Portugal, a Tunísia, Marrocos e a antiga Iugoslávia. Nos anos que se seguiram, marcados pelas crises do petróleo em 1973 e 1979/80 e o fim do recrutamento, começou a chamada “política de estrangeiros”, motivada no reconhecimento de que muitos “Gastarbeiter” (trabalhadores estrangeiros) passaram a viver permanentemente na Alemanha, em vez de voltar para seus países de origem. A década de 1980 foi caracterizada por tentativas de uma política de integração, cuja base foi o “Kühn-Memorandum”, apresentado em 1979 por Heinz Kühn, o primeiro encarregado de estrangeiros do governo federal, no qual ele esboçou projetos de participação de imigrantes na educação e na política. Típico dos anos de 1980 foi também a ideia de “multiculturalidade” como o “viver pacificamente um ao lado do outro” de diferentes culturas e grupos étnicos, sendo que se acentuava o “um ao lado do outro”.
Depois da Queda do Muro, esse desenvolvimento em direção à integração sofreu amargos revezes, mesmo caminhando devagar. Atentados baseados em motivos racistas, como os de Hoyerswerda, Solingen e Rostock, e a severa limitação da imigração a partir de 1993 mostraram uma imagem de um país que estava muito atarefado com a sua reunificação e que se reencontrava como um coletivo – em parte a custo de um “outro alguém” fictício. Esse período ficou na memória dos imigrantes como um tempo de grande xenofobia. Nascendo e crescendo aqui, a segunda geração dos imigrantes foi congregando seus esforços com representantes da sociedade e da política, que não tinham histórico migratório, fazendo crescer as possibilidades para uma estruturação positiva da política de imigração. Ao mesmo tempo, tratou-se de definir o que seria “alemão” propriamente dito, como no debate sobre uma “Leitkultur” (modelo de referência). Nessa fase, a Alemanha ainda não se sentia emocionalmente como um país de imigração, mesmo que, neste meio tempo, este status já tivesse sido formulado politicamente.
O ano de 2006 trouxe uma virada. A Copa do Mundo de Futebol na Alemanha fez surgir uma nova sensação, ou seja, a de que a Alemanha é um país de boas-vindas, com uma população que se esforça para ser sentida de outra maneira do que fora até então. Essa nova orientação foi sustentada politicamente pela primeira Conferência Alemã sobre o Islã (DIK) e pela primeira Conferência de Cúpula da Integração na Chancelaria Federal. Seu êxito foi muito mais importante do que o sucesso do livro em geral depreciativo “A Alemanha está se abolindo”, de Thilo Sarrazin, ex-senador das Finanças em Berlim. O autor do livro deu a impressão de estar fora do tempo, pois se aproximava da suposição de que o Islã, como a maior minoria religiosa na Alemanha, não faria parte do “Nós” alemão. Agora, recapitulando, essa discussão se insere no contexto de uma série de debates sobre a identidade e cidadania nacionais, como também aconteceu em outros países europeus de imigração. Na França, na Inglaterra e na Holanda houve nos fins da década de 2000 muitas discussões sobre a “identité nationale” ou a “national identity”.
Em maio de 2014, cerca de 60 anos depois do primeiro Acordo de Recrutamento, o presidente alemão Joachim Gauck deu um sinal inequívoco no seu discurso pelo 65º aniversário da Lei Fundamental: “No futuro, quem é alemão será muitos menos reconhecido pelo nome ou pela aparência”, disse ele, dando assim ao país, finalmente, uma orientação na sua busca pela identidade nacional e despedindo-se da ideia de “Kerngesellschaft” (sociedade estruturada) como medida. O presidente federal alemão descreveu a atual visão nacional, o “novo Nós alemão”, como uma “unidade da diversidade”, fazendo alusão consciente ou inconsciente ao desejo de Theodor W. Adorno: “Poder ser diferente sem ter medo”. Em seu discurso, Gauck foi mais longe, aproximando a Alemanha do Canadá, país este que instituiu padrões mundiais, desde que encontrou para si a solução “Unity within Diversity”.
Podemos dizer, hoje em dia, que Alemanha não se tornou somente um país de imigração – segundo um relatório da OCDE de 2014, até mesmo o predileto depois dos EUA –, mas mais que isto, tornou-se também uma sociedade de migração. A migração, seja emigração ou imigração, já se tornou o dia a dia da Alemanha globalizada. São, sobretudo, as grandes cidades que vêm se mostrando cada vez mais heterogêneas. Em Frankfurt do Meno, por exemplo, mais de três quartos das crianças abaixo de seis anos têm um histórico migratório. Chamemos essas crianças simplesmente de “novos alemães”! ▪
Dra. Naika Foroutan é vice-diretora do Instituto de Pesquisa Empírica de Integração e Migração da Humboldt-Universität de Berlim