Um palco para a sociedade aberta
A visão de Shermin Langhoff de um teatro pós-migrante já está convencendo os críticos e o público
Os executivos alemães não usam camisetas com o nome das suas empresas em letras grandes. Os diretores alemães de teatro, também não. Mas Shermin Langhoff, diretora-geral do Maxim Gorki Theater de Berlim, é um pouco diferente. Ela orgulha-se de vestir o produto de merchandising durante o trabalho. E tem um aperto de mão forte, irradiando bom humor por dez pessoas, como se o seu trabalho não fosse estresse, mas férias. Essa atmosfera de praia e sol tem sua razão, pois já no seu primeiro ano de gestão, o Gorki Theater, o menor dos cinco teatros municipais de Berlim, foi eleito o “teatro do ano”. Ele está sempre repleto, muitas das suas peças participam de festivais e a própria chefe e seus artistas surfam numa onda de simpatia.
Mas, na sua arrancada em 2013, Shermin Langhoff teria feito tudo “errado”, transformando o Gorki no primeiro teatro municipal alemão a ter claras regras temáticas, engajando uma multidão de atores desconhecidos, cujos nomes para os alemães eram muito difíceis de pronunciar, negando-se a aceitar qualquer conselho de como se fazer um bom calendário e simplesmente ignorando que esse teatro, pouco subvencionado, não tem reservas para superar fracassos. Fez isto, porque queria, há muito, um grande palco para cumprir sua missão.
O novo lema do portal de Langhoff para o Gorki é: “Teatro pós-migrante”. Durante cinco anos, ela fizera teatro nos fundos de um quintal no bairro berlinense de Kreuzberg, apresentando peças num palco intercultural tipicamente “Kiez-Asyl” (bairro de requerentes de asilo), antes de se mudar para o pátio do grande Instituto Cultural de Berlim, na avenida Unter den Linden. Sua afirmação categórica de que um teatro de imigrantes tem de estar no centro da consciência alemã deveria ser comprovada na antiga Singakademie, que vem servindo aqui de teatro desde 1952.
Entre a Humboldt Universität e o Deutsches Historisches Museum, onde o “Teatro pós-migrante” se estabeleceu, pode ser que a internacionalidade seja uma coisa natural na Alemanha moderna. Fato é que ela já o é em muitos setores da sociedade, neste 25º aniversário da Unidade Alemã. Todavia, enquanto os teatros municipais vêm frequentemente convidando diretores de teatro da Europa Ocidental e dos EUA, seus elencos são raramente compostos de atores da Turquia, da África ou da Europa Oriental. A perspectiva, da qual os temas são apresentados no palco, é interpretada diferentemente pelos diretores e atores, dependendo das suas identidades híbridas e das suas diversas histórias migratórias.
“Nosso teatro reflete como a nossa cidade é constituída”, diz Langhoff. No seu elenco universal, as trajetórias pessoais arrastam-se pelos continentes, tendo suas raízes no Cazaquistão, em Israel, na África ou em Schrobenhausen, emaranhando-se num projeto comum. “A origem não significa nada” é a regra ditada para a escolha do pessoal do elenco e o cerne da mensagem. Nesse “projeto de zonas de conflito”, como Langhoff o denomina, não se faz arte de clientela para um determinado grupo étnico, nem se respeita falsamente as sensibilidades nacionais. Isto é exemplificado quando Shermin Langhoff, de origem cherquesse e nascida na Turquia, dá início a uma série de projetos sobre o massacre cometido em 1915 contra os armênios, que não é considerado genocídio pelo governo do seu país natal. Ou quando, durante a comemoração da Queda do Muro, o grupo de artistas “Zentrum für politische Schönheit” desmonta a cruz memorial, que deve recordar as pessoas lá mortas, para transportá-la para as fronteiras da União Europeia, onde morrem atualmente muitos refugiados. É então que o Gorki se mostra como teatro que, com grande horizonte histórico e imparcialidade, luta pelo espírito de humanidade sem fronteiras. “A História é para nós uma questão pessoal. Isto é o que nos qualifica”, diz Langhoff.
Shermin Langhoff, uma perita em insubordinação cordial, tem ao seu lado o vice-diretor e dramaturgo Jens Hillje, que conhece o teatro alemão como a palma da sua mão. Ele fez parte da diretoria do teatro Schaubühne de Berlim durante dez anos. Agora, contribui com análises sociais pessimistas para as habilidades otimistas da sua parceira. “Saber que todo Estado pode tomar outra direção é uma experiência básica e um princípio fundamental deste teatro”, diz Hillje, referindo-se a desenvolvimentos antidemocráticos e a conflitos atuais na Europa Central e Oriental e no Oriente Médio. O que une estas duas pessoas é a crença num teatro popular moderno. Isto não significa que sejam palcos de dialetos ou de bulevar, mas “um teatro que engloba todos e não somente as classes burguesas”. Langhoff qualifica isto de “teatro popular urbano”. O calendário do teatro oferece a essa população urbana peças clássicas, tematicamente atualizadas, de autores como Ibsen, Hebbel ou Kleist, e também comédias sobre a vida de muçulmanos ou de homossexuais nas pequenas cidades, projetos sobre a guerra civil na Iugoslávia ou rápidas peças narrativas sobre os bairros problemáticos de Berlim.
O fato de que este novo teatro popular tenha sido, às vezes, um pouco barulhento, simples ou didático faz com que muitos críticos opinem que seu projeto geral seja muito melhor do que cada produto. Mas os espectadores tem a sensação de estar em casa e quase invadem o teatro pós-migrante. “O público quer participar do debate”, comprova Hillje com orgulho. Langhoff conclui: “As pessoas se sentem implicadas em toda a heterogeneidade que caracteriza Berlim”.
Parte desta heterogeneidade é também a liderança política da Alemanha. A chanceler federal Angela Merkel, cujo domicílio privado fica próximo do teatro, é um dos espectadores assíduos, como também o presidente alemão Joachim Gauck ou o ministro das Relações Externas, Frank-Walter Steinmeier, que, além disso, toma parte nas “discussões de oficina” do Gorki. Estas pessoas impulsionam diariamente as discussões sobre a franqueza e a diversidade da sociedade alemã, despertando grande interesse, bem a gosto de Shermin Langhoff. Mas Langhoff e Hillje também temem a “supersimpatia”, pois os temas tratados pelo Gorki – fuga e conflitos interculturais – não são apropriados para um excesso de aprovação.
“Não existiríamos, se não houvesse coisas para resolver”, diz Hillje, sério. Todavia, as velhas tentativas de exigir uma sociedade mais livre e mais justa, com os grandes “-ismos” ou com a arrogância, não são exemplares para os pós-migrantes. “No final das contas, trata-se, com respeito a toda informação, de quem é uma pessoa decente e de que é um safado”, afirma Shermin Langhoff. O melhor meio de transportar esta mensagem crítica do teatro à sociedade talvez seja através daquele entusiasmo que simplesmente explode numa só frase. “Para mim, é muito importante o que fazemos aqui, em sentido político”, exulta Langhoff no meio do diálogo. Daí, então, só se tem a dizer: É de tais chefes que nosso país precisa! ▪