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Comer como um deus na Alemanha

Nunca houve tantos restaurantes de primeira classe na Alemanha. Uma busca culinária na pista dos apreciadores de gastronomia.

20.12.2012
© picture-alliance/dpa

Cozinha de primeira na Alemanha: há poucos anos, isto ainda soava tão improvável quanto alta costura de Castrop-Rauxel. Mas, com o atual Guia Michelin, é oficial: a Alemanha virou um paraíso “gourmet”. Nunca brilharam tantas estrelas sobre os restaurantes alemães; o famoso guia gastronômico concedeu 37 novas de uma só vez. Agora, a publicação lista 255 endereços entre Flensburg e o Lago de Constança. Na Europa, só a França ainda possui número superior. O que aconteceu?

Já faz muito tempo que Eckart Witzigmann, iniciador do primeiro milagre gastronômico alemão, tinha de ir a Paris, nos anos 1970, para buscar creme de leite. Hoje, seus “netos” estão no comando, bem à frente, bem acima: Kevin Fehling, 35, do La Belle Epoque, em Travemünde, o mais novo no clube dos cozinheiros três estrelas – e típico representante da nova e criativa geração ao fogão. Ele é dos poucos que combinam, de forma soberana, delicados lagostinos com purê de cenouras terrosas, gel de tangerina, pérolas de rosas e temperos asiáticos. Tal como seus colegas, ele se baseia nos fundamentos da cozinha francesa, aposta em voos altos ao Extremo Oriente e deixa-se inspirar também pela cozinha molecular do espanhol Ferran Adrià, enquanto brinca com texturas e temperaturas. Natural que ele seja ainda um artesão igualmente perfeito e muito viajado. Sim, a nova geração cozinha livre de obrigações – exceto a de ser extremamente inovadora e desenvolver um perfil próprio para destacar-se dos muitos outros colegas, tão bons quanto eles próprios.

De fato, jamais a cozinha alemã foi tão interessante e diversificada. Quem viaja pelo país, pode deliciar-se com as singulares criações de inspiração chinesa de Tim Raue, em Berlim-Kreuzberg, com as quais ele proporciona vivências aromáticas, tendo a coragem de renunciar por completo a macarrão, arroz e batatas. Então segue-se em frente para o La Vie, em Osnabrück, no qual Thomas Bühner foi considerado, pela revista de gastronomia “Feinschmecker”, o melhor “chef” do ano de 2012. Como quase nenhum outro, ele associa sensações vertiginosas dos melhores produtos a vivências completas. Obrigatória é uma escapada para Wolfsburg, mais precisamente para o restaurante Aqua, onde Sven Elverfeld surpreende ao destrinçar pratos tradicionais como pizza, borschtsch e o molho verde de Frankfurt. Recomenda-se reservar mesa em Bergisch Gladbach, no Vendôme de Joachim Wissler, com certeza a cabeça mais intelectual e experimental em frente a um fogão alemão – para então, finalmente, chegar-se à sossegada Baiersbronn.

Um discreto povoado na Floresta Negra, um centro de culto para degustadores. Aqui, Harald Wohlfahrt (3), Claus-Peter Lumpp (3) e Jörg Sackmann (1) somaram a maior concentração de estrelas na Alemanha. O primeiro dos três magos é um homem circunspecto, cabelo repartido no lado e um sorriso tímido: Harald Wohlfahrt, o melhor “chef” da Alemanha, mantém há 20 anos três estrelas. Sua elegante cozinha francesa permanece sendo o parâmetro para comparações. Incontáveis jovens cozinheiros alemães aprenderam com ele a buscar a perfeição.

E por que justamente Baiersbronn? Porque Baden-Württemberg é a região “gourmet” da Alemanha, com sua proximidade com a  França, seus vinhos de primeira classe, o clima suave e uma cultura de hospitalidade, pontuada pelo amor à culinária regional. Porém, a França não é mais o único modelo inspirador. Os “chefs” alemães fertilizam suas criações a partir da moderna cozinha basca, com suas técnicas experimentais, espuminhas e esferas. Eles olham curiosos para a Escandinávia, onde o “chef” René Redzepi, em Copenhague, é reverenciado como exemplo da moderna culinária natural, que colhe seus tesouros diretamente na porta de casa. Na Alemanha, de repente se criam pratos batizados com nomes associados a floresta ou praia, enquanto a América do Sul já bate à porta oferecendo a próxima moda.

Assim surgiu na Alemanha uma culinária vanguardista e cosmopolita, que ao mesmo tempo se confessa consciente das próprias raízes. Se antigamente ainda se considerava sinal de qualidade quando o caminhão da Rungis parava diante da porta, repleto de “delikatessen”, hoje os “chefs” procuram, objetivamente, seus produtos nos arredores. Eles preferem sander a atum e aguentam bem o inverno sem trufas. Está-se descobrindo o luxo do simples; “orgânico” é um grande tema. Espécies históricas de legumes, como a salsifi, tornam-se igualmente apresentáveis em mesas sociais, tal como  velhas raças de suínos. Claro que não é mais apenas o filé que vai para a frigideira, mas também partes não nobres como o queixo e a barriga.

“Bons produtos são a base da culinária”, afirma o proeminente “chef” berlinense Daniel Achilles, que inveja seus colegas que cultivam as próprias hortas, das quais tiram suas criações, tais como Johannes King, na ilha de Sylt, ou Michael Hoffmann, nos arredores de Berlim. Por falar em Berlim, a capital atrai com o mais estimulante leque de restaurantes do país, convidados internacionais e locais emocionantes. Com frequência, não se sabe qual é o novo “point” na cidade: a velha cervejaria, a antiga escola feminina ou um quintal sombreado. E quem se surpreende ainda que os cozinheiros tenham mudado? Fora de moda é o tipo “senhor todo-poderoso do fogão” com intuição na barriga. Os jovens mestres são pensadores inteligentes, cobiçados como “chefs” televisivos e garotos-propaganda, que descansam correndo maratonas ou praticando ayurveda. Muitos conquistaram “status” de personalidade e contratam agências de relações públicas.

Então, tudo maravilha na Alemanha? Nem tanto! Ainda existem mais pessoas que pagam caro por óleos para motores, mas economizam no azeite. Ao contrário do que ocorre na França, não valorizam o prazer momentâneo de um menu “gourmet”. E, mesmo no exterior, nossos astros alemães ainda são desconhecidos. As estrelas jáestão aí; falta apenas um pouco de brilho que irradie além das fronteiras do país.  ▪

Gabriele Heins